Austrália e suas peripécias….

Cheguei… além da parte médica do último post. Vou postar algumas coisas interessantes que tenho vivido na Austrália, fatos corriqueiros do dia a dia que não estava preparado.

1. a tal da mão inglesa.  Essa todo mundo acha que tá preparado, que vai ser tranquilo. “Sou homem, tenho senso de direção”. O problema é que você acha que a mão inglesa é só no volante… EU NUNCA DIRIGI AQUI E SOFRO COM ESSA COISA. O primeiro é meio óbvio, na hora de atravessar a rua você sempre olha pro lado errado. Subir escadas: mantenha-se a esquerda! porta giratória? pela esquerda. Quer ficar parado na escada rolante: Esquerda. está num corredor com alto fluxo de pessoas indo e vindo: Esquerda. E suas variações como as fechaduras que são todas de cabeça pra baixo, pra fechar tem que abrir e pra abrir tem que fechar.

2. Descalços. pense num povinho que gosta de andar descalço! é gente descalça no shopping, no supermercado, na rua e até NO HOSPITAL.

3. como foi seu fim de semana? você só não ouve isso na segunda feira se não falar com ninguém… eu disse ninguém, nem o caixa do supermercado, nem a telefonista, nem o vendedor do Mc Donalds. Aliás, é difícil ir direto ao ponto na Austrália. Digamos que você está trabalhando e precisa telefonar pra alguém pra perguntar algo rapidinho. Olá bom dia! como vai você? e os filhos vão bem? e a esposa?… e isso se estende para emails também.

4. Thank you! pro motorista de ônibus, sempre que estão saindo do ônibus. Detalhe que você sai pelo meio do ônibus, e o povo grita Thank you pro cara lá na frente.

5. Shopping fecha as 16h. Exceto na quinta feira (????????????) onde todos fecham as 21h.

6. Carrinho de supermercado. Pouca gente tem carro por aqui por onde moro, então todo mundo leva o carrinho de supermercado pra casa e depois deixa na frente do prédio. Achava falta de educação, mas no dia que estava questionando isso enquanto andava na rua com um amigo e ele ia começar a me explicar, uma grande coincidência aconteceu. Parou o caminhãozinho do supermercado bem na nossa frente e começou a coletar os carrinhos da rua! Ele só falou: tá explicado?

7. você só precisa de uma senha pro internet banking. 

e assim vai. Tento atualizar conforme fondo.

Warm Regards.

A medicina na Austrália.

Depois de muita luta, cheguei.

Estou na Austrália há aproximados 2 meses, e acho que agora que a parte da adaptação está acabando, é hora de postar as primeiras impressões sobre a medicina na Austrália.

1. Treinamento infinito: aqui a parte do treinamento é um pouco diferente do Brasil. Confesso que já tentei entender, mas é praticamente impossível entender plenamente o sistema deles. Já perguntei dos chefes, residentes e tudo mais. no site do RACP dá pra ter uma idéia de como funciona. Mas o treinamento para ser especialista numa subespecialidade pediátrica dura NO MÍNIMO 6 anos. Até onde lembro, em terras tupiniquins depois de 2 anos de pediatria geral e 1-3 anos em algumas subespecialidades você já reconhecido como especialista ou área de atuação. Fiquei chocado no início, mas depois deu pra entender. O treinamento do povo daqui não é “pauleira” como o nosso, mas também não é levinho como muitos imaginam. Até se chegar no “consultant” (último level de especialização) os médicos ralam bastante, porém contudo todavia, por mais difícil que seja para um brasileiro imaginar, É POSSÏVEL TER VIDA COM SALÁRIO DE RESIDENTE. Digamos que um salário de residente gira em torno de 5-6 mil dólares mês. Então é possível “iniciar sua vida de verdade” durante o treinamento. Além disso, sobra tempo pros estudos, você não precisa ir trabalhar em outros hospitais pra ter uma vida um pouco mais digna. Enfim, foi realmente um choque ver o tanto de tempo que leva pra eles se especializarem, mas digamos que o sistema funciona muito bem, e todos os especialistas que tive contato são extremamente capacitados, atualizados e com um ótimo nível de conhecimento pediátrico geral.

2. Cartas e mais cartas. Esse foi outro choque cultural. No hospital onde trabalho, exames laboratoriais, de imagem e algumas partes do prontuário são informatizadas (resumos de alta e laudos). Além disso, todas estas informações estão em uma rede integrada dos hospitais da região, então, se um paciente é transferido de um hospital cadastrado, eu tenho o resumo de alta dele no computador do meu hospital. Agora nosso querido prontuário do dia a dia é de papel mesmo. E PENSE NUMA BAGUNÇA. letras ilegíveis são regra. QP, HPMA, HPP, ISDA: pra que?! escreva o que lhe der na telha e no fim coloque um plano de tratamento. Exame físico: desenhe um hexágono, puxe várias setas com os achados e você tem um exame abdominal. Desenhe dois pulmõezinhos com suas setinhas também e o exame pulmonar está completo.

Mas como eles se entendem no meio da bagunça? as cartas!!!

pra entender as cartas, vamos primeiro entender como funciona o sistema de saúde. Na Austrália, toda família tem o seu GP (general practitioner, o equivalente ao nosso médico da família). Pra você ser encaminhado a um especialista (isto inclui o pediatra geral) você precisa de uma carta de referência do GP. Então, todo paciente chega no especialista com sua cartinha do GP, geralmente digitada e não manuscrita, mas já pegamos umas quase ilegíveis. Logo todo paciente que você atende, você tem que mandar uma cartinha de volta para o GP. aí você tá pensando que é aquela cartinha maldita que a gente faz num receituário mesmo, a mão com HD e conduta. nada. A carta de resposta tem em média 2 páginas. Geralmente começa assim:

Caro Dr Todd,

Muito obrigado por ter me encaminhado o jovem Bidu para avaliação. Tive o prazer de atendê-lo acompanhado por sua querida mãe Sophie. Bidu é um rapaz de 12 anos que adora jogar críquet e está na 7a série do ensino fundamental.

e por aí vai.

Todas as cartas têm cópias para o prontuário. Então todo mundo, ao invés de ler o prontuário, vai direto nas cartas pra entender o que rola com os pacientes.

3. retorno em 2 semanas. NÃO EXISTE… tá… exagerei. Digamos muito raro. Até os pacientes mais graves, com Crohn por exemplo, são vistos em média a cada 3-6 meses. Prescrições são feitas pelo GP na maioria dos casos. Telefonemas, emails, recados são muito comuns. A secretária do departamento de gastro é responsável pela recepção das perguntas, por email ou por telefone, e um dos residentes é responsável por responder diariamente estas perguntas, evitando retornos frequentes.

4. time out. todo procedimento em centro cirúrgico é precedido de um time out. Todos param o que estão fazendo e o médico checa a pulseira do paciente, enquanto um circulante checa o prontuário se os dados estão corretos e qual cirurgia foi proposta e aceita pelo paciente. No início achei meio estranho, ainda acho um pouco exagerado, pois tem horas que todos estão ocupados e alguém fica insistindo no tal do time out. Bom, digamos que segurança nunca é demais.

5. nomes comerciais de drogas. Como eles gostam aqui, pelamor de Deus, to pra ficar doido.

É lógico que ainda tem muita coisa. Fica prum próximo post.

Abraços.