Depois de muita luta, cheguei.
Estou na Austrália há aproximados 2 meses, e acho que agora que a parte da adaptação está acabando, é hora de postar as primeiras impressões sobre a medicina na Austrália.
1. Treinamento infinito: aqui a parte do treinamento é um pouco diferente do Brasil. Confesso que já tentei entender, mas é praticamente impossível entender plenamente o sistema deles. Já perguntei dos chefes, residentes e tudo mais. no site do RACP dá pra ter uma idéia de como funciona. Mas o treinamento para ser especialista numa subespecialidade pediátrica dura NO MÍNIMO 6 anos. Até onde lembro, em terras tupiniquins depois de 2 anos de pediatria geral e 1-3 anos em algumas subespecialidades você já reconhecido como especialista ou área de atuação. Fiquei chocado no início, mas depois deu pra entender. O treinamento do povo daqui não é “pauleira” como o nosso, mas também não é levinho como muitos imaginam. Até se chegar no “consultant” (último level de especialização) os médicos ralam bastante, porém contudo todavia, por mais difícil que seja para um brasileiro imaginar, É POSSÏVEL TER VIDA COM SALÁRIO DE RESIDENTE. Digamos que um salário de residente gira em torno de 5-6 mil dólares mês. Então é possível “iniciar sua vida de verdade” durante o treinamento. Além disso, sobra tempo pros estudos, você não precisa ir trabalhar em outros hospitais pra ter uma vida um pouco mais digna. Enfim, foi realmente um choque ver o tanto de tempo que leva pra eles se especializarem, mas digamos que o sistema funciona muito bem, e todos os especialistas que tive contato são extremamente capacitados, atualizados e com um ótimo nível de conhecimento pediátrico geral.
2. Cartas e mais cartas. Esse foi outro choque cultural. No hospital onde trabalho, exames laboratoriais, de imagem e algumas partes do prontuário são informatizadas (resumos de alta e laudos). Além disso, todas estas informações estão em uma rede integrada dos hospitais da região, então, se um paciente é transferido de um hospital cadastrado, eu tenho o resumo de alta dele no computador do meu hospital. Agora nosso querido prontuário do dia a dia é de papel mesmo. E PENSE NUMA BAGUNÇA. letras ilegíveis são regra. QP, HPMA, HPP, ISDA: pra que?! escreva o que lhe der na telha e no fim coloque um plano de tratamento. Exame físico: desenhe um hexágono, puxe várias setas com os achados e você tem um exame abdominal. Desenhe dois pulmõezinhos com suas setinhas também e o exame pulmonar está completo.
Mas como eles se entendem no meio da bagunça? as cartas!!!
pra entender as cartas, vamos primeiro entender como funciona o sistema de saúde. Na Austrália, toda família tem o seu GP (general practitioner, o equivalente ao nosso médico da família). Pra você ser encaminhado a um especialista (isto inclui o pediatra geral) você precisa de uma carta de referência do GP. Então, todo paciente chega no especialista com sua cartinha do GP, geralmente digitada e não manuscrita, mas já pegamos umas quase ilegíveis. Logo todo paciente que você atende, você tem que mandar uma cartinha de volta para o GP. aí você tá pensando que é aquela cartinha maldita que a gente faz num receituário mesmo, a mão com HD e conduta. nada. A carta de resposta tem em média 2 páginas. Geralmente começa assim:
Caro Dr Todd,
Muito obrigado por ter me encaminhado o jovem Bidu para avaliação. Tive o prazer de atendê-lo acompanhado por sua querida mãe Sophie. Bidu é um rapaz de 12 anos que adora jogar críquet e está na 7a série do ensino fundamental.
e por aí vai.
Todas as cartas têm cópias para o prontuário. Então todo mundo, ao invés de ler o prontuário, vai direto nas cartas pra entender o que rola com os pacientes.
3. retorno em 2 semanas. NÃO EXISTE… tá… exagerei. Digamos muito raro. Até os pacientes mais graves, com Crohn por exemplo, são vistos em média a cada 3-6 meses. Prescrições são feitas pelo GP na maioria dos casos. Telefonemas, emails, recados são muito comuns. A secretária do departamento de gastro é responsável pela recepção das perguntas, por email ou por telefone, e um dos residentes é responsável por responder diariamente estas perguntas, evitando retornos frequentes.
4. time out. todo procedimento em centro cirúrgico é precedido de um time out. Todos param o que estão fazendo e o médico checa a pulseira do paciente, enquanto um circulante checa o prontuário se os dados estão corretos e qual cirurgia foi proposta e aceita pelo paciente. No início achei meio estranho, ainda acho um pouco exagerado, pois tem horas que todos estão ocupados e alguém fica insistindo no tal do time out. Bom, digamos que segurança nunca é demais.
5. nomes comerciais de drogas. Como eles gostam aqui, pelamor de Deus, to pra ficar doido.
É lógico que ainda tem muita coisa. Fica prum próximo post.
Abraços.